Presidente José Fernandes
A minha biografia
A minha resistência começou logo à nascença, nasci em 1963, na freguesia do Prior Velho, segundo consta, relatado pela minha mãe e parteiras eu nasci morto.
Naquele tempo era normal os partos em casa, fui dado como morto, embrulhado num pano e colocado de parte enquanto tratavam da minha mãe, um tempo depois, no meu canto, lá comecei a chorar e aquele momento de tristeza passou a ser de alegria.
A dificuldade que encontrei naquela altura, era muito difícil conseguir ser uma criança normal, ir à escola, havia dificuldades na alimentação, dificuldades na habitação e dificuldades em ser criança. Tive de começar a trabalhar muito cedo, era o mais velho de seis irmãos, em que tive de ajudar a minha mãe a criar a mim próprio e os meus irmãos.
A decisão de fazer algo pelos direitos e igualdade da minha comunidade, deu-se há cerca de 30 anos. Percebi que era necessária uma mudança de pensamento e comportamento, por parte de todos, pois mesmo nascendo e partilhando uma nacionalidade comum, muita coisa era e ainda é, pouco igualitária.
Nessa altura, ao procurar um espaço para arrendar e abrir assim o meu primeiro estabelecimento para trabalhar, ganhar dinheiro e sustentar a minha família, percebi que, no meu próprio país, seria obrigado a esconder e a negar a minha cultura, falar até de outro modo, para que minhas origens não fossem percebidas ou questionadas. Assim sendo, foi necessário arranjar uma estratégia apenas para alugar um espaço para poder trabalhar.
Senti-me obrigado a pedir favores, a esconder quem era, deste modo, consegui através de alguém não pertencente à minha comunidade, alugar um espaço, simplesmente uma cor e sotaque diferentes, fizeram toda a diferença, embora fosse eu o empresário que pagava as despesas. Este foi o primeiro espaço, da minha experiência na hotelaria e assim foi até ao ano 2021, mantendo uma sociedade com alguém, para poder ter possibilidade de alugar outros espaços comerciais.
Todas estas experiências, despertaram um ativismo em mim, lutar pelos meus direitos, pelo fim do preconceito, racismo e xenofobia, pelos meus filhos e por todos os outros que sofrem do mesmo, no entanto achei que era pouco, muito pouco, para tudo o que se apresentava, comecei assim com pequenos trabalhos, coisas pequenas, fui analisando casos, ouvindo as pessoas e as histórias que se repetiam, nas escolas, em bares e nos próprios bairros, onde a parte maioritária concentra minorias.
Achei também, ser muito pouco e comecei em 2008 a aprofundar-me em causas para a igualdade de direitos e oportunidades, tendo sido por essa altura minha 1ª intervenção publica, conseguindo ao longo dos anos reunir pessoas que defendem as mesmas causas, com vontade e credibilidade, dentro e fora da comunidade, para poder desenvolver projetos de modo a diminuir as diferenças existentes.
Assim, ao longo de 12 anos, construí uma equipa de pessoas capazes, para que, em conjunto conseguíssemos transformar e melhorar a realidade existente e é o que temos vindo a fazer.
Percebo e reconheço que fiz muito pouco e que ainda tenho tantos projetos a realizar.
Trabalhamos em parceria com a Câmara Municipal de Loures, Juntas de Freguesias dentro e fora do Concelho de Loures, escolas e bairros sociais, contribuímos para o melhoramento não só da minha comunidade, mas para uma sociedade mais justa, respeitadora e com igualdade de oportunidades.
Com tudo isto, gostaria de contribuir com a minha experiência de vida, com a educação que me foi dada pelos mais velhos, de ouvir e falar menos, do amor pelo próximo e do respeito igualitário entre homens, mulheres e crianças.
Ajudar o necessitado, dar a mão a quem mais precisa, é um dos meus lemas de vida. Ajudar o próximo, respeitar para ser respeitado.
Qualidades e defeitos seus?
Considero como qualidades, a minha resiliência e ter um bom coração. Defeito talvez a minha forma de falar, que por vezes é um pouco agressiva. Sou uma pessoa que dá tudo, sou de paixões, sou um lutador por natureza.
Qual é o seu objetivo principal com a associação?
O meu objetivo principal é fazer ver à sociedade em geral, que com oportunidades, nós comunidade cigana, também conseguimos fazer, ajudar e contribuir para o melhoramento da sociedade.
Se pudesse mudar apenas uma coisa, qual seria?
Que deixasse de haver tanto preconceito entre os seres humanos.
Alguma vez pensou em desistir?
Essa palavra não faz parte do meu vocabulário.
Algo que o tenha marcado?
Na vida existem sempre altos e baixos, mas o que me mais marcou foi a perda dos meus pais, perdi o meu pai com 33 anos e a minha mãe aos 49. Não querendo de certa forma ser egoísta, mas a perda da minha mãe foi o que me marcou mais na vida, não foi fácil dar a volta por cima, mas tinha de ser forte pelos meus filhos, tinha de lhes dar força também.
Olhando para trás, vendo por tudo pelo que eu passei, pelo que a minha mãe já havia passado e lutado fez-me perceber que tinha de ser forte e lutar por todos os meus objetivos sem baixar os braços.
Qual a maior conquista da sua vida?
Os meus filhos.
Qual a marca que deseja deixar no mundo?
Gostaria que as pessoas se entendessem melhor, que se ajudassem a elas próprias, para depois conseguirem ajudar o próximo.
Como é ser presidente da Techari?
Tem de se trabalhar muito, não basta dizer que sou presidente é necessário ter conhecimento do terreno e das pessoas com quem vamos trabalhar, todos os dias trabalho arduamente para manter os nossos objetivos.
Nos meus projetos, aplicar os valores que me foram ensinados, principalmente ser amigo do amigo e alcançar os meus objetivos sem ter de prejudicar alguém. A nossa associação ainda é muito recente, há muito para realizar, muito espaço para intervir, estamos no começo, sou da opinião de que todos juntos somos mais fortes e capazes, para que haja uma mudança efetiva na sociedade, para que esta nos perceba como iguais.
O fundamento da nossa associação é trabalhar com todos aqueles que querem colaborar para o bem social, inclusive integrar mais pessoas da minha comunidade cigana, para que eles possam desenvolver conhecimentos que a mim também me foram ensinados. Um dos nossos objetivos é a integração social, realizando para tal ações de mediação e intervenção social, apresentações e atuações públicas, partilhando a nossa cultura, promovendo assim uma maior socialização entre as diferentes culturas, diminuindo por sua vez as diferenças étnicas e culturais existentes, para que possamos também ser olhados e considerados membros válidos de uma sociedade que se diz democrática mas que na realidade não dá igualdade de oportunidades entre aqueles que partilham a mesma nacionalidade.